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A virada da arquibancada: há 14 anos, Inter avançava para as semifinais da América

Tarefa ingrata resumir a gigante história do Inter na Libertadores. Primeira equipe da região sul do país a participar do torneio e disputar uma final, o Clube do Povo abriu o século XXI encarando indigesto histórico de recentes desencontros com a maior competição das Américas. Ao todo, o Colorado viveu um hiato de 13 anos distante do principal certame de nosso continente. O retorno, rodeado de grandes expectativas por um final feliz, aconteceu em 2006, e teve um de seus maiores capítulos vivenciados há exatos 14 anos.

Rafael Sobis e torcida: os destaques da vitória sobre a LDU


O caminho até as quartas


Credenciado após dois anos seguidos de boas campanhas na Sul-Americana, o Inter encarou com autoridade a pressão da reestreia na Libertadores. Contra o Maracaibo-VEN, fora de casa, Ceará abriu o placar aos três minutos do segundo tempo. Disputada no dia 16 de fevereiro, a jornada contou com infeliz gol dos donos da casa aos 43, igualando o marcador. Uma semana depois, o Beira-Rio lotado comemorou os 3 a 0 do Clube do Povo sobre o Nacional-URU. No mês seguinte, o Colorado conquistou duas grandes viradas sobre o Pumas-MEX, a segunda por 3 a 2, em Porto Alegre, e chegou aos 10 pontos. Novo empate, este no Uruguai, somado a triunfo de 4 a 0 sobre os venezuelanos, já em abril, encerrou a campanha alvirrubra, segunda melhor entre os participantes, na fase de grupos do torneio.

De maneira simultânea à boa fase continental, no Gauchão o Inter também avançou líder para as eliminatórias. Na final, entretanto, dois empates contra o maior rival deixaram o Clube do Povo com o vice-campeonato. O resultado serviu de alerta para Abel Braga, que promoveu mudanças na escalação, reconduzindo Rafael Sobis, que sofrera com lesões no primeiro semestre, ao time titular, assim como Jorge Wagner. No encerramento dos grupos da Libertadores, a lesão de Tinga resultou em nova alteração nos onze iniciais. Assim, com um meio de campo formado por Edinho, Fabinho, Alex e Gabiru, o Colorado chegou para a disputa das oitavas, que promoveram novo encontro com os uruguaios do Nacional.

O Inter exorcizou seu primeiro fantasma logo na partida de ida, disputada no Parque Central. Jorge Wagner, em um golaço de falta, empatou para o Inter na etapa inicial, mas a grande pintura da noite ainda estava por vir. Aos 18 do segundo tempo, Rentería, o mais colombiano dos sacis, aplicou um lençol no zagueiro Pallas e, sem deixar a bola cair, pegou na veia. Vitória por 2 a 1 que, somada a empate sem gols do Beira-Rio, classificaria o Inter para as quartas.


A tensão pelo jogo de volta


O adversário nas quartas de final foi a LDU. Equipe dona da segunda melhor campanha entre os segundo colocados da primeira fase, superou, nas oitavas, o Atlético Nacional, da Colômbia, com o agregado de 5 a 0. Extremamente forte em seus domínios, o time equatoriano sabia explorar a altitude de Quito, localizada cerca de 3.000 metros acima do nível do mar, para encurralar adversários. Abusando deste recurso, largou em vantagem na luta por vaga nas semis continentais. Jorge Wagner, vivendo fase artilheira com sua sempre afiada perna canhota, até abriu o placar para o Inter no primeiro tempo, mas o ar rarefeito fez a diferença na etapa final, permitindo aos donos da casa o triunfo por 2 a 1.

O revés marcou o fim de uma invencibilidade de 27 jogos. Para piorar, o confronto de volta, tradicionalmente disputado sete dias após o primeiro duelo, levaria meses até ser realizado. Paralisada por conta da disputa da Copa do Mundo da Alemanha, a Libertadores seria retomada apenas em julho. Assim, ao longo de mais de sessenta dias a torcida precisaria conter a ansiedade e, ao mesmo tempo, seguir esperançosa. Missão difícil? Não para o povo colorado.

A Maior e Melhor Torcida do Rio Grande não somente continuou fiel, como criou uma corrente de energias positivas poucas vezes vista na história. Foram semanas marcadas por recordes de associação, liquidação de cadeiras disponíveis nos setores locados e peregrinação ao Beira-Rio para comprar camisas, acompanhar treinos ou simplesmente fazer alguma reza, depositando sua fé no número 891 da Avenida Padre Cacique. Enquanto o restante do país estava imbuído de forte espírito nacionalista, o povo alvirrubro deixava os jogos da Seleção Brasileira em segundo plano, permanecendo ansioso não para as esperadas exibições de Dida, Ronaldinho, Kaká, Robinho, Ronaldo e Adriano, mas sim para ver em campo Clemer, Tinga, Alex, Rafael Sobis, Fernandão e companhia.

Duas semanas depois da partida do Equador, o Inter anunciou que 400 novas cadeiras locadas seriam colocadas à disposição, visando a suprir a demanda crescente dos associados e torcedores colorados. O bom momento vermelho, que após campanha histórica no Campeonato Brasileiro do ano anterior conseguia conciliar as diferentes disputas de 2006, seguindo vivo na Libertadores e ocupando as primeiras posições do torneio nacional, orgulhava a torcida. Faltava, porém, conquistar um título que estivesse à altura da grande fase.

Todos no Beira-Rio encaravam o confronto que se avizinhava como o jogo do ano. O Inter, por exemplo, tratou de aprimorar a estrutura do Gigante, realizando reformas nas cadeiras locadas, preparando o setor para a noite de 19 de julho, quando centenas de novos frequentadores eram esperados no local. A Central de Atendimento ao Sócio (CAS) também se adaptava, fazendo plantões em série, muitas vezes trabalhando noite adentro. Nem mesmo a derrota para o Juventude, na última partida do Nacional antes da decisão pela Libertadores, arrefeceu o ânimo da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande.


O Gigante jogou junto


Passados mais de dois meses e uma Copa do Mundo, enfim o apito inicial estava próximo. Cerca de 40 mil colorados e coloradas tomaram as arquibancadas do Beira-Rio, ignorando o horário da partida, marcada para as 19h15, que complicava a rotina de todos que trabalharam naquela quarta-feira. Dentro do Gigante, todavia, nada mais parecia importar. Para a multidão ensandecida, apenas o estádio existia. Com bandeirões, faixas, cantoria, sinalizadores e instrumentos, o povo transformou o templo da Padre Cacique em um caldeirão, pronto para cozinhar o adversário desde a entrada das equipes em campo.

Iniciado o confronto, o Inter estava escalado com Clemer no gol; Elder Granja, Bolívar, Fabiano Eller e Jorge Wagner na defesa; Fabinho, Edinho, Tinga, recuperado de lesão, e Alex no meio; Rafael Sobis e Fernandão no ataque. Do outro lado, sete atletas que integraram a delegação equatoriana na Copa da Alemanha impunham respeito. Armada no esquema 4-5-1, com três volantes, a LDU tinha como claro objetivo anular o ataque colorado – e abria mão de quaisquer princípios por isso. Logo no primeiro minuto, Sobis cruzou da esquerda buscando Fernandão. O Capitão quase chegou na bola, dividindo com o goleiro Mora, que fez a defesa e, de imediato, aproveitou a oportunidade para ganhar alguns segundos na primeira cera visitante.

Resumido a esparsos cruzamentos na direção da área rival, o Clube do Povo sofreu para criar oportunidades na primeira meia hora de partida. Na reta final da etapa, Fernandão, Sobis e Granja, em arremates de fora da área, conseguiram esboçar uma pressão colorada, incapaz de balançar as redes equatorianas, mas suficiente para reascender o pavio do Gigante. Chegado o intervalo, da inferior às cadeiras o povo compartilhava da mesma certeza: se quarenta e cinco minutos eram pouco comparados às semanas de mobilização entre uma partida e outra, imagine, então, em relação a 97 anos de história.


Etapa final para a história


A sinergia entre time e estádio resultou em pressão arrasadora dos comandados de Abel Braga na volta do intervalo. Como um rolo compressor, o Inter encurralou os visitantes, e passou a empilhar grandes chances. Aos dois minutos, Sobis costurou do meio para a esquerda e deixou com Jorge Wagner, que cruzou rasteiro. A bola passou do goleiro e encontrou, praticamente debaixo das traves, o pé de Tinga. Desequilibrado por um marcador, o camisa 7 colorado finalizou com muita força, caindo, e mandou por cima da goleira. Segundos depois, Alex descolou lindo lançamento para Fernandão. Entre a dupla de zaga rival, o camisa 9 dominou no peito e, de canhota, finalizou cruzado, tirando tinta da trave de Mora. O gol era iminente.

A dobradinha Sobis e Fernandão fez história com a camisa colorada. Explosivo, o garoto de Erechim sabia explorar espaços como poucos. Surgiu para o futebol seguindo à risca a cartilha de um segundo atacante, genial para estabelecer combinações com seu parceiro ofensivo. Ao mesmo tempo, nosso Eterno Capitão sempre demonstrou inteligência acima da média. Apesar do que a estatura e o número que vestia podem sugerir, não era um centroavante clássico. Habituado a ocupar a ponta-de-lança, gostava de circular fora da área, criando vazios na defesa adversária. Exatamente desta forma, após lançamento de Jorge Wagner, nosso camisa 9, caindo pela esquerda, escorou de cabeça para Rafael.

Pula que é gol do Sobis, só pode ser o Sobis!/Imagens: Rede Globo

Sobis partiu no mano a mano com o zagueiro Espinoza. Inteligente, retardou ao máximo seu primeiro toque na bola, deixando a redonda seguir a trajetória proposta por Fernandão. Já próximo da área adversária, começou a cortar para a direita, entortando as costas do defensor rival. Ao pisar na meia-lua, percebeu que tinha visão aberta para a goleira, e soltou a bomba. Inter na frente!

Nos minutos que se seguiram, o Inter acumulou chances desperdiçadas. Pouco depois, Tinga sentiu lesão e deixou o campo para a entrada de Adriano Gabiru. Os milhares presentes no estádio, que tanto esperaram pelo jogo, agora torciam para que o confronto chegasse ao fim o quanto antes. Depois de 17 anos, o Colorado gaúcho poderia retornar, pela quarta vez em sua história, às semifinais da Libertadores.

Desesperada, a LDU passou a ocupar o campo de ataque, construindo pressão nos minutos finais. Bem postado, contudo, o Colorado impediu a criação de chances equatorianas. Mais do que isso, soube esperar por um contra-ataque fatal. Desgastado, Sobis deixou o campo para a entrada de Rentería, que precisou de menos de três minutos para aprontar. Após cruzamento perigoso da equipe visitante, Jorge Wagner ficou com a sobra pela esquerda e lançou o colombiano, nas costas da marcação. Em velocidade, o Saci chegou antes de Mora e tocou por cobertura. Golaço, comemorado com cachimbo e touca pelo artilheiro talismã.

Rentería, é nós! Tipo Colômbia!/Imagens: Rede Globo

Se antes os visitantes buscavam o gol que seria da classificação, o revés por 2 a 0 cobrava que balançassem as redes coloradas para, pelo menos, postergarem a decisão da vaga para além dos 90 minutos. Nos acréscimos, o incômodo destino obrigou o povo alvirrubro a flertar com a decepção. A centímetros da grande área, Candelário, tentando tirar proveito da encoberta visão de Clemer, que tinha todos os jogadores das duas equipes postados na sua frente, cobrou falta rasteira. Habituado a crescer nos grandes momentos, o goleiro do Inter voou no canto esquerdo, espalmando para escanteio e garantindo a classificação para as semifinais.

Assim, graças aos pés de Sobis, a genialidade de Rentería e as mãos de Clemer, o Inter seguiu escrevendo um belíssimo e vitorioso ano de 2006 na sua história na Libertadores. Ainda mais importante do que o brilho dos jogadores, entretanto, foi o apoio da torcida, que consagrou nosso amor. Com ele, já encaramos tudo – e vencemos. Sempre foi assim em nossa biografia – e sempre será. Afinal de contas, nós não somos DO Internacional, e sim O Internacional. Somos o povo que nunca deixa de acreditar, porque nada, nunca, vai nos separar! Associe-se aqui!