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O carnaval na história do Clube do Povo

Ao mesmo tempo em que devemos empreender no sentido de revisitar e valorizar traços de nossa cultura que se encontram ignorados, especialmente aqueles historicamente silenciados por preconceito ou intolerância, não devemos ceder à tentação de crucificar nossos estereótipos como inimigos da pluralidade social. Pelo contrário, se um aspecto de nosso cotidiano atinge o status de rótulo nacional, é porque ele merece um olhar minimamente mais atento daqueles que nesta terra vivem. São os casos, por exemplo, de samba e futebol, símbolos de toda a efervescência e riqueza culturais do Brasil. Mais do que isso, expressões máximas das paixões brasileiras, tratam-se de características repletas de coincidências em sua história. O Inter, grande expoente desta relação, comprova. E nada melhor do que o atual final de semana para relembrarmos o eterno casamento existente entre Colorado e carnaval.

Afinal de contas, não é de hoje que honramos, orgulhosos, o apelido de Clube do Povo. Nossa essência é plural e diversa. A efervescência corre junto de nosso sangue. Seja na hora de escolher nossa cor, levantar troféus (estaduais, nacionais ou continentais), torcer pelo Colorado ou mesmo desfilar, sempre estivemos vibrando ao som de alvirrubras baterias e nos movimentando no ritmo dos mais velozes passistas para defender o rubro colorido de nosso manto. Nossa história, por óbvio, é popular. Aproveite, neste carnaval, o intervalo entre um bloco e outro para saber mais sobre ela!


O alvirrubro bloco superou o esmeraldino

Fundados no dia 4 de abril de 1909, não nascemos alvirrubros. Sinônimo do Clube do Povo, o colorado tom do nosso manto foi definido a partir do carnaval de rua de Porto Alegre.

Divididos na paixão por dois dos mais famosos blocos da capital, no caso os vermelho e branco Venezianos e os alviverdes Esmeraldinos, os fundadores do Internacional decidiram, umas semana após a fundação do Clube, entre as cores da dupla carnavalesca qual seria o colorido da equipe que surgia. Felizmente, a vitória foi dos primeiros. Devidamente fardado, o Colorado passava a bradar, para quem da capital quisesse ouvir, que abrisse alas, pois ele queria – e iria – passar.

Alvirrubros desde sempre

O mais gaúcho dos carnavais

O Inter iniciou sua hegemonia gaúcha na década de 40, com o lendário Rolo Compressor. Histórico, o esquadrão não apenas atingiu o posto de eterno pela maneira avassaladora com que empilhou taças municipais e estaduais, como também por seu significado social.

O time era formado, em grande parte, por atletas de origens humildes, muitos deles negros, realidade que se tornou possível no Clube a partir do final da década de 20. Sem restrições, o Rolo reforçou nosso caráter popular, abraçando todas as classes gaúchas. Dentre os muitos astros que compunham o elenco, provavelmente seja Tesourinha quem melhor personifica a pluralidade daquele grupo.

Nascido na humilde Ilhota, bairro localizado na altura onde, atualmente, a Avenida Érico Veríssimo se encontra com a Praça Garibaldi e a Avenida Ipiranga, Osmar Fortes Barcellos fez história com apelido que homenageava o bloco de carnaval ‘os Tesouras’, um dos principais da região, fundado por seu padrasto. A partir de sua estreia pelo Inter, Tesourinha selou matrimônio com o Clube que nasceu predestinado a defender – quanto a isto não restam dúvidas. Afinal, o bairro que lhe serviu de morada foi também berço colorado, palco do ‘Ground da Rua Arlindo’, primeiro campo da história alvirrubra. Pela ponta-direita do Rolo, o malemolente passista cansou de chamar adversários para dançar e, a partir desta mistura de futebol e samba, consagrou-se como ídolo do Clube do Povo, instituição que, à época, tornava-se a maior, a tal, fazendo por merecer o também sambista apelido de ‘Papai’.


Fizemos o Brasil inteiro pulsar ao nosso ritmo

Já donos do estado, na década de 70 voltamos a levantar taças contando com o sambista DNA da Ilhota. Para tanto, sequer cogitamos dormir de toca e cessar nosso vanguardismo expansionista, seguindo decididos a botar nosso bloco na rua para, desta vez, conquistar o país.

Detalhe da Ilhota, nos arredores do Ground da Rua Arlindo

Defendendo o carnavalesco vermelho e branco do Inter estavam atletas que figuram no mais alto rol de nossa rica história. Entre todas as estrelas, como o xerife chileno, o recordista camisa 7, o intransponível goleiro e o genial meio-campista cabeludo, figurava um irreverente Escurinho.

Do bairro da Rua Arlindo, crescido em meio às fantasias e alegorias da Imperadores do Samba o decisivo Luís Carlos Machado encontrou na camisa 14 seu número preferido. Ponta-de-lança, exibia cabeceio raro até mesmo aos melhores centroavantes. Passional, sempre dividiu a vida de atleta com as cantorias na boemia da capital. Sambista, vivia com o violão de baixo do braço. Artilheiro, virou o 12º jogador da equipe de Rubens Minelli. Sempre no último minuto, título de sua biografia, produzida pelo jornalista Jones Lopes da Silva, Escurinho cansou de decidir jogos para a equipe bicampeã nacional e octa gaúcho. Assim, virou craque (e ídolo) nas duas vidas que levou, de futebolista e carnavalesco.


América: o Inter te ama!

Consolidados em estado e país, partimos para o continente. Na mistura de ritmos da Libertadores, obsessão do povo vermelho quando do início do Século XXI, contamos com a intensidade de um baterista no nosso meio de campo para levantar a taça. Com ele, inclusive, conquistamos não um, mas dois troféus.

Colorado de coração desde que veio ao mundo, Paulo César Fonseca do Nascimento nasceu na Restinga, bairro para onde foram enviados os antigos moradores da Ilhota após a desapropriação da área. Na Zona Sul de Porto Alegre, cresceu tendo como espelho sua mãe, dedicada trabalhadora, e abraçado pela devoção da comunidade ao samba, motor social que funcionava entorno da Estado Maior, escola habituada a dar show nos desfiles sempre representando o bairro.

De sua progenitora, Paulo herdou a determinação. Da escola, onde por anos tocou na bateria, a resistência e intensidade que o fizeram brilhar nos gramados. No relvado do Beira-Rio, por exemplo, até gol de título continental marcou. Também aqui ídolo, eterno, virou. Tinga: teu povo te ama!

Foto: Jefferson Bernardes / @agenciapreview

Nossa casa ruge, mas também samba

Se engana quem pensa que o carnaval colorado acontece só dentro de campo. Também torcendo estivemos, sempre, sambando. Tradicionalmente festivas, nossas arquibancadas passaram a ter contornos de desfile em 1940, quando Vicente Rao, outrora Rei Momo de Porto Alegre, decidiu levar os ritmos e alegorias dos blocos e sociedades para dentro dos Eucaliptos. Inicialmente ridicularizado, depois imitado, Rao criou a primeira torcida organizada de que se tem registro no Rio Grande do Sul, o DCP, Departamento de Cooperação e Propaganda, grande percussionista responsável pela trilha sonora dos atropelos promovidos por Rolo e Rolinho.

Inaugurado o Beira-Rio, a alma festiva e popular do povo colorado não foi ignorada. Os responsáveis pela construção da nova casa vermelha sempre souberam que o Gigante que erguiam seria, além de um templo do futebol, uma casa democrática. Esta condição, inclusive, foi destacado pelo bispo Dom Edmundo Kuntz, conselheiro do Inter responsável por comandar a missa que celebrou, em 1963, a inauguração da pedra fundamental do Estádio, quando esse, em sua fala, proferiu: “aqui todos serão iguais, sem diferenças ideológicas, políticas, religiosas, sociais – todos serão irmãos”. 

De Coreia às arquibancadas, o Gigante surgiu ainda mais efusivo e eufórico do que seu predecessor. Sempre tomada pelo povo colorado, nossa casa serviu de ingrediente especial, ainda em sua primeira década, para os heróis que conquistaram o Brasil. Desta forma, registre-se, seguiu e segue, passados mais de 50 anos de vida e uma grande remodelação. Historicamente ritmado por bumbos, surdos, repiniques e metais, o Beira-Rio se converteu no palco ideal para a mais alvirrubra das festas, constantemente convertida, a cada quarta e domingo, em pressão sobre os adversários. Templo do futebol, mas também de alegria e samba, feitos por todos, sem qualquer discriminação.


Rica também nossa história carnavalesca fora de campo

Inaugurado em 1973, o Gigantinho foi palco do tradicional Baile Vermelho e Branco em suas primeiras décadas de vida. Famoso por atrair multidões ao ginásio, o evento, capaz de fazer tremer as estruturas do irmão mais novo do Beira-Rio, chegou a ser tratado como o melhor dentre os carnavalescos de Porto Alegre, motivo de orgulho para o povo colorado.

Já no Século XXI, a relação entre Inter e samba foi levada ao Porto Seco. De rica relação com as torcidas e o Clube, a tradicional Imperadores do Samba desfilou, em 2009, com o tema ‘150 Anos de História: vermelho e branco, uma só paixão’, alusivo ao centenário colorado e os cinquenta anos de história que a Escola, fundada em 1959, completava. Apresentando 26 alas, cinco alegorias e dois mil componentes, a Imperadores fez o público suar no Complexo Cultural, não deixando ninguém parado, empolgando do início ao fim.

150 ANOS DE HISTÓRIA
VERMELHO E BRANCO, UMA SÓ PAIXÃO
(Alessandro Antunes)

BATE MAIS FORTE O MEU CORAÇÃO
VERMELHO E BRANCO HOJE INVADE A CIDADE
SOU COLORADO, SOU IMPERADOR
NESSE MAR EU VOU, QUE FELICIDADE!

Oh, Terra Mãe
Do futebol, do carnaval, da fantasia
Na Terra Mãe
Um grande clube, Internacional nascia
De uma família surge um sonho a desbravar
De uma multidão concretizou
Batalhas e batalhas nos gramados
Brilhou, brilhou, brilhou…
Nos Eucaliptos, o palco da magia. Rao hilariante
Fazia o Rolo Compressor vibrar
Com a maior torcida do Rio Grande

PAPAI É O MAIOR, PAPAI QUE É O TAL
CANTA FORTE A GALERA, PULA SACI!
É DIA DE FESTA, DELÍRIO TOTAL
VAMO, VAMO INTER! FAZ O GIGANTE EXPLODIR

Feitos relevantes, senda de glórias, o vencedor
Colorado, celeiro de craques
O mundo conheceu o teu valor
E hoje o centenário se anuncia
Imperadores, vem te homenagear
A escola de bambas, resistência do samba
Orgulho da cultura popular
Vem “Povo Meu” comemorar
Que ainda resta um lugar na nossa escola
Desça da arquibancada e caia na folia
150 anos de alegria.


Agora, se você não sabia, já sabe, e se tinha esta certeza, ela foi reforçada: carnaval também é época de vestir o manto do Clube do Povo. Tanto quanto em qualquer dia de partida do Colorado, dentro ou fora de casa. É tempo de sorrir, desfilar com sua escola, torcer pelo seu bairro e participar de blocos. Também é, para os que não gostam, oportunidade para descansar, colocar as séries em dia, rever a família, viajar para a praia ou serra. Até porque é exatamente isto que Inter, carnaval e samba defendem e têm em comum: o direito de ser alegre. Como e quando quiser.

Torcedores colorados foram ao Porto Seco comemorar a vitória, em 2009

Se você for pra folia, contudo, sempre vale a pena lembrar que NÃO significa NÃO. Assédio é crime. Minoria social não é fantasia. E que, se beber, não dirija. Boas festas, povo colorado! – Ah… E pega leve na terça, viu? Quarta é dia de jogar, e sambar, juntos. Bora?! Então confirma tua presença em mais uma partida decisiva. Olê, Inter!