
Impecáveis dentro de casa e letais fora da Padre Cacique: foi assim que chegamos ao bicampeonato da Libertadores. De novo, a América era nossa. De novo, ela pertencia ao povo colorado. O título de 2010 consagrou um time cascudo, talhado para fazer história como legítimo campeão. Navegue pela página abaixo e conheça (ou rememore) a caminhada desbravada pelo Sport Club Internacional rumo ao topo do continente pela segunda vez na história alvirrubra.

Invicto, o Colorado construiu campanha segura nos grupos da América. Sob o comando de Jorge Fossati, o Clube do Povo venceu os três jogos que travou no Beira-Rio e empatou as rodadas que disputou fora de casa. Assim, a classificação para as oitavas de final foi garantida com 12 pontos e sem necessidade de grande drama - na contramão do que poderiam sugerir as muitas emoções da partida de estreia.

O primeiro compromisso colorado na Libertadores de 2010 ocorreu na noite de 23 de fevereiro. Até então, o Inter jamais havia estreado com vitória na principal competição do continente, e o tabu parecia fadado a eternidade quando o Emelec, treinado por Jorge Sampaoli e estrelado pelo promissor Enner Valencia, abriu o placar aos três minutos da etapa final. Acompanhado de forte chuva, porém, o gol não esfriou o Beira-Rio, que seguiu pulsando na luta pelos três pontos.


Quatro minutos depois do tento visitante, Nei empatou. Na direita da intermediária ofensiva, o lateral recebeu passe rasteiro de Sandro, driblou seu marcador e, apesar da considerável distância até a meta equatoriana, soltou o foguete de perna direita. Venenoso, com efeito e endereço, o chute morreu no ângulo direito do goleiro Elizaga. Pintura!


Se o empate veio cedo, a virada só chegou tarde no segundo tempo. De pé em pé, o Colorado fez dançar a zaga equatoriana, conquistando espaço à base de qualidade e insistência. Já na meia-lua da grande área, a bola encontrou Andrezinho, craque capaz de transformar em hectare qualquer centímetro. De perna direita, o meio-campista pifou Walter, que saiu cara a cara com o goleiro. Frente ao desespero do rival, o atacante deixou de lado com Alecsandro. Gol aberto, tabu encerrado: Inter 2 a 1!

Fora de casa, o Inter encarou a altitude de Quito, localizada 2800 metros acima do nível do mar, na segunda rodada da Libertadores. Contra o Deportivo, o grande nome colorado no empate de 1 a 1 foi Roberto 'Pato' Abbondanzieri. Ainda na primeira etapa, o experiente goleiro argentino, contratado para a disputa da Libertadores, sofreu um estiramento no ligamento do tornozelo direito. Logo depois, aos 33 minutos, Minda abriu o placar para os donos da casa. Felizmente, a igualdade chegou antes do intervalo, com Giuliano marcando após passe de Edu.

Mesmo lesionado, Pato retornou para a etapa final, e foi então que teve início a grande história do confronto. Aos sete minutos e 20 segundos, Pirchio, atacante do time equatoriano, foi lançado na área colorada. Forte demais, o passe seria defendido por Abbondanzieri não fosse o desproporcional atropelo cometido sobre o arqueiro pelo atleta adversário. Além de empurrar o goleiro para longe, o rival ainda arrancou a bola das mãos do camisa 25 do Inter. Para todos no estádio, o lance resultaria na marcação de falta no argentino e apresentação de um amarelo para o infrator. Para o árbitro José Buitrago, contudo, a interpretação foi outra: de pênalti para a equipe da casa.
Indignados - e, por que não, surpresos - os jogadores colorados correram na direção do juiz, formando um bolo em volta de Buitrago. Ao mesmo tempo, Bruno Silva e Jorge Fossati reclamavam com Wilson Berrío, o assistente mais próximo do lance. Inicialmente, ele pareceu, assim como seu companheiro de arbitragem, não dar ouvidos aos atletas. Até que Abbondanzieri entrou em cena. Esbanjando experiência, o goleiro percebeu que o bandeirinha não concordava com a marcação do pênalti e o convenceu a conversar com o árbitro. Além disso, demonstrando respeito ao homem do apito, garantiu que o debate transcorresse com privacidade, afastando seus irritados companheiros da cena.

Ao perceber que Buitrago começava a hesitar, Pato não titubeou em correr até a pequena área colorada e posicionar a bola para que o jogo fosse reiniciado. Tamanha certeza pareceu contagiar o árbitro, que, acompanhando o goleiro, anulou o pênalti e apontou bola ao chão, com posse para a equipe gaúcha. Os equatorianos até tentaram protestar, mas a decisão já estava tomada!

"Sim, (Abbondanzieri) foi de alto nível e sua experiência ajudou. Ele insistiu: 'consulta, consulta, consulta o assistente'. Então, decidi ouvir o assistente para ter o panorama do lance" - José Buitrago, árbitro da partida, em entrevista concedida no dia seguinte ao jogo para o jornal Zero Hora
Plenamente recuperado de lesão sofrida no Campeonato Gaúcho, D'Alessandro disputou, na terceira rodada da fase de grupos, a primeira partida de sua carreira como titular do Inter na em Libertadores. Na uruguaia cidade de Rivera, o Clube do Povo enfrentou o Cerro-URU e foi visitante no papel, mas mandante na prática. Tomado por mais de 20 mil colorados e coloradas, o Estádio Atilio Paiva sediou jogo relativamente movimentado, mas encerrado sem alterações no placar.

Invertida a ordem dos confrontos, o Inter abriu como mandante o returno continental. Travado diante de um público superior às 36 mil pessoas, o confronto de volta com o Cerro valia a liderança do grupo 5, até então ocupada pela equipe uruguaia, e foi com o objetivo de somar novos três pontos que Jorge Fossati escalou o Clube do Povo no esquema 4-4-2. No gol, Abbondanzieri foi titular. À frente dele, Nei, Índio, Bolívar e Kleber formaram a linha de defesa. Já o meio contou com Sandro, Guiñazú, D'Alessandro e Giuliano, enquanto a dupla de ataque teve Walter e Alecsandro.


No primeiro tempo, as chances foram escassas. Na etapa final, a insistência colorada encontrou recompensa. Aos 12 minutos, Walter cruzou da quina esquerda da grande área, Ibañez errou o tempo de bola e desviou contra o próprio patrimônio para marcar contra. Mais tarde, aos 26, D'Ale escapou pelo mesmo corredor esquerdo e levantou no peito de Walter, que fez a assistência para Giuliano. O meio-campista finalizou de primeira e o goleiro, atabalhoado, espalmou para a frente. Alecsandro não perdoou. Vitória por 2 a 0!


O penúltimo compromisso do Inter também acabou em zero a zero. Para o Emelec, Biglieri e Quiñónez criaram as melhores chances. Ao passo em que o primeiro parou em Abbondanzieri, o segundo esbarrou na trave. Já do lado Colorado, dono das melhores oportunidades em Guayaquil, Giuliano e Alecsandro deram trabalho para o goleiro Frascarelli; Walter falhou a pontaria em chance sem arqueiro; e Andrezinho, depois de aplicar um chapéu em seu marcador, só não marcou um golaço por culpa do travessão.


A liderança da chave estava em jogo na rodada derradeira dos grupos, e o Inter não quis dar chance para o azar no Beira-Rio. Logo a dois minutos, Andrezinho marcou lindo gol de perna canhota e abriu o placar contra o Deportivo Quito. Escalado junto a D'Alessandro, o meio-campista foi a principal novidade promovida por Fossati no time colorado, e balançou as redes justamente após assistência do craque argentino.


Dominante, o Colorado ampliou sua vantagem com Bolívar. Aos 15 da etapa final, o zagueiro-artilheiro recebeu cruzamento açucarado de Kleber - feito com a perna direita - e cabeceou sem chances de defesa para Ibarra. Com a vitória de 2 a 0, o Inter encaminhava a sétima melhor campanha entre os líderes da fase de grupos, desempenho que colocava o Cruzeiro, segundo melhor vice-líder, no caminho alvirrubro. Mas Giuliano não parecia interessado em um confronto brasileiro nas oitavas de final. No último dos 48 minutos disputados no segundo tempo, D'Ale lançou o companheiro nas costas da zaga, ele driblou seu marcador e, com a canhota, guardou no ângulo. Pela frente, mediríamos forças com o Banfield!


Quem deseja conquistar a Libertadores precisa superar, com maestria, um caminho feito para lhe causar percalços. E a melhor maneira de ser bem-sucedido nessa empreitada? Passa pela força de uma casa que esteja à altura da mística do torneio. Em 2010, diante de acanhado alçapão hermano e enfrentando hostil arbitragem charrua, com direito a pênalti sonegado e polêmica expulsão forçada, o Inter tropeçou no jogo de ida das oitavas de final da América.


O placar da partida só foi movimentado no segundo tempo. James Rodríguez (ele mesmo) abriu a conta para os argentinos logo no recomeço de confronto. Pouco depois, Kleber anotou um golaço e igualou o escore para o Inter. Minutos mais tarde, o lateral-esquerdo receberia injusto cartão vermelho, deixando o Colorado com 10 jogadores dentro de campo. Em superioridade numérica, o Banfield também construiu sua vantagem no placar. Com gols de Battión e Fernández, os donos da casa conquistaram vitória pelo placar de 3 a 1.
O cenário para chegar às quartas de final era desafiador. Graças ao gol fora de casa, então considerado critério de desempate, uma vitória pelo placar de 2 a 0 até garantiria a vaga para o Colorado. Fora esse resultado, porém, apenas triunfos por diferença de três ou mais gols serviriam ao Clube do Povo. No bom português: o Inter tinha uma semana para se mobilizar para o duelo do Beira-Rio e passar por cima da equipe campeã do Apertura da Argentina em 2009. E assim fizemos!

Em Porto Alegre, o crepúsculo da quinta-feira dia 6 de maio de 2010 foi mais rubro do que de costume. Mobilizados para o duelo das 19h30, 35 mil torcedores e torcedoras migraram cegamente à Padre Cacique, certos de que, naquela data, todos os caminhos levavam ao Gigante. Tão intenso quanto o movimento de chegada ao Beira-Rio, por óbvio, era a cantoria que dele emanava. Juntos, time e torcida mostravam que, por mais dura que fosse, a missão colorada nada tinha de impossível.


Em perfeita sintonia, grama e cimento sufocaram os visitantes, não permitindo qualquer segundo de descanso. Conduzidos - time e torcida - pelo maestro D'Alessandro, os colorados lamentaram tanto as chances perdidas por Andrezinho e Walter, ambas criadas pelo camisa 10, quanto o forte chute que o argentino mandou no travessão. Também às vésperas do intervalo, quando o nervosismo já começava a crescer entre os mais pessimistas, Andrés, o futuro Rei da América, deu as caras e assumiu a responsabilidade.


O relógio já superava a casa dos 41 minutos quando Guiñazú ganhou a briga pela segunda bola e encontrou D'Ale ao lado da meia-lua da grande área adversária. Embora canhoto, o craque da camisa 10 fez o giro para fora e apostou na perna direita para servir Andrezinho com um passe milimétrico. Generoso, o talismã percebeu Alecsandro livre na marca do pênalti e ofereceu assistência rasteira. Gol! Faltava mais um.

Pulsando intensamente, o quarentão Beira-Rio bem que precisava de um respiro. Breve, é claro, pois poucas são as construções tão habituadas ao delírio das massas quanto o templo colorado. Abençoado, o intervalo garantiu o necessário descanso, e foi sucedido por brilho de D'Alessandro. Aos 11 minutos, o gringo lançou Eller, substituto de Kleber, no corredor esquerdo. Titular nas históricas conquistas de Libertadores e Mundial em 2006, Fabiano avançou e suspendeu na primeira trave. Bem posicionado, Walter emendou um testaço para as redes. Não faltava mais nada: Inter 2 a 0.


Encaminhada a vaga, o escrete colorado não cessou. Como poderia, se enfim percebia os ares de classificação despontando no horizonte? As chances perdidas até motivaram um lamento ou outro de nervosismo, mas a expulsão de James Rodríguez, jovem craque do rival, e o sucessor apito final libertaram, de uma vez por todas, o otimismo alvirrubro. Estávamos nas oitavas!
Quis o destino que os argentinos do Estudiantes, rivais do Inter na final da Sul-Americana de 2008, voltassem a cruzar o caminho do Clube do Povo em jornadas continentais. Desta vez, nas quartas de final da Libertadores. E se o confronto de duas temporadas antes fora eletrizante, se estendendo para além dos tradicionais 180 minutos para ser decidido apenas no segundo tempo da prorrogação, o embate disputado no ano de 2010 não ficou para trás no quesito emoção.


Campeão da Libertadores em 2009 e dono da terceira melhor campanha na primeira fase de 2010, o Estudiantes disputaria como mandante a partida de volta com o Inter. Daí, garantir a vantagem no Beira-Rio era imprescindível para o Clube do Povo, que contou com a força de mais de 40 mil pessoas na noite de 13 de maio. Contra um adversário armado com cinco defensores, a escalação titular não teve surpresas. Abbondanzieri; Nei, Bolívar, Sorondo e Kleber; Sandro, Guiñazú, Andrezinho e D'Alessandro; Alecsandro e Walter: nome a nome, todos foram saudados pela torcida.


Duríssimo, o confronto se caracterizou pela escassez de espaços. Dono da posse de bola, o Colorado cercou constantemente a área argentina, mas sofria para criar chances reais, ficando entregue aos chutes de longa distância e às bolas alçadas na área. Do outro lado, os Pinchas apostavam todas as fichas em um contragolpe armado por Verón, mas a estratégia também se mostrava ineficaz.


O cenário de poucas chances só foi transformado quando Taison entrou no lugar de Walter e renovou o ânimo da linha de frente alvirrubra. A partir de então, Orión operou milagres, a arbitragem ignorou lances duvidosos e Alecsandro, inclusive, balançou as redes, mas em condição irregular. O empate sem gols parecia inevitável, até que o centroavante colorado cavou promissora falta na intermediária de ataque. Responsável pela cobrança, Andrezinho levantou bola perigosa, que viajou precisa rumo ao cabeceio de Sorondo. Por meio de um obstinado peixinho, o uruguaio conseguiu o desvio na entrada da pequena área e matou o goleiro argentino. Embora magra, a vantagem era colorada.


Quando os onze titulares de Jorge Fossati entraram em campo para o jogo de volta das quartas de final da Libertadores, a torcida pôde acreditar que aquela seria uma noite especial. Por ironia do destino, uma vez que o Estudiantes tinha no vermelho a cor predominante de seu uniforme, o Inter se viu obrigado a vestir fardamento completamente branco, assim como fizera na decisão do Mundial. A sorte parecia abraçar a equipe gaúcha, fazendo sorrir a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande.


A nostalgia campeã do mundo deixava claro: se os argentinos mereciam respeito e atenção, não menos importante era a história multicampeã do Inter. Se o acanhado estádio e a camisa adversária assustavam, também aterrorizados os locais deviam se sentir enfrentando o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, que iniciou o duelo, escalado no esquema 3-6-1, com Abbondanzieri; Bolívar, Sorondo e Fabiano Eller; Nei, Sandro, Guiñazú, Andrezinho, D'Alessandro e Kleber; e Alecsandro.
"Há de se enaltecer o elenco. O Internacional cresce em decisões." - Andrezinho, em entrevista após a partida


Os primeiros movimentos de partida, todavia, obrigaram os colorados e coloradas a abandonar as boas lembranças do passado. Incendiado por sua torcida, o Estudiantes agrediu desde cedo, e, regido por Verón, abriu 2 a 0 antes dos 25 minutos. A partir de então, como o resultado já garantia classificação ao time da casa, os argentinos passaram a cozinhar o jogo, seguindo à risca a cartilha ‘matreira’ que faz parecer que os hermanos nasceram prontos para jogar a Libertadores.

Mesmo com as mudanças do técnico Jorge Fossati, que deixaram o Inter mais ofensivo, o panorama da partida não foi alterado no segundo tempo. Os minutos passavam, a tensão crescia e a classificação parecia cada vez mais distante. À exceção de falta cobrada por Andrezinho e de bom chute de Walter, que substituíra Nei, o Colorado tinha dificuldades em chegar ao ataque.
Confiantes na iminente classificação, os próprios jogadores do Estudiantes inflavam seus torcedores, que retribuíam acendendo cada vez mais sinalizadores. O caldeirão de Quilmes fervilhava. Em meio à espessa nuvem de fumaça que partia da multidão localizada atrás de seu gol, Orión mal podia ser visto. Ao mesmo tempo, Verón cavava faltas e laterais, prendia a bola e deixava o tempo passar no campo de ataque. Até que, aos 43 minutos, La Brujita errou.

O capitão do Estudiantes não foi páreo para a tradição colorada, que o castigou pelo disparate de tentar imitar o que Iarley e Rubens Cardoso haviam feito com maestria no Japão - e vestindo o mesmo branco que o Inter usava em Quilmes. Assim, a menos de dois minutos do fim do tempo regulamentar, a bola retornou à posse do Clube do Povo, que tinha tiro de meta para Abbondanzieri cobrar.
O goleiro multicampeão lançou Walter, que caía pela esquerda da intermediária ofensiva. Depois de matar no peito, o atacante atraiu um segundo defensor e acionou Andrezinho. Com um lindo giro, o meio-campista superou seu marcador e ganhou espaço para pensar. Simultaneamente, Giuliano percebeu uma lacuna na defesa argentina e se projetou em velocidade. Esbanjando talento, André conseguiu a assistência em profundidade para o jovem camisa 11 colorado. Neste instante, o tempo parou.

Eram cerca de 700 os colorados e coloradas presentes nas arquibancadas do Estádio Centenário. Pelo mundo, outros milhões torciam por TV e rádio. Em comum, nenhum desses conseguia visualizar o que se passava na grande área mandante, consequência da fumaça gerada pelos comentados sinalizadores. Quem precisava enxergar, contudo, era Giuliano, e o jovem goleador apostou no chute rasteiro para vencer a névoa. De todas as maneiras, Orión tentou (e quase conseguiu) operar o milagre, mas não existia mais catimba ou bruxaria que os argentinos pudessem fazer. De mansinho, chorosa, a bola entrou no canto.

O apito final veio após três minutos de acréscimos que em nada alteraram o resultado da partida. Assim que o jogo foi encerrado, D’Alessandro e Walter dispararam rumo à torcida colorada, subindo no alambrado para comemorar junto às centenas de enlouquecidos. Irritados com a eliminação, os atletas da casa provocaram uma briga generalizada no gramado, mas nem a confusão foi capaz de diminuir a alegria dos classificados. Na noite de 20 de maio de 2010, Quilmes virou passarela para o carnaval vermelho e branco.
Em virtude da Copa do Mundo da África do Sul, a disputa da Libertadores foi paralisada após a fase de quartas de final. Já pelo Brasileirão, o Inter teve cinco rodadas por jogar antes do Mundial de seleções. Nos corredores do Beira-Rio, a sequência era tida como fundamental para ampliar a confiança herdada da classificação sobre o Estudiantes, mas uma série de más atuações resultou na saída de Jorge Fossati do comando técnico alvirrubro. No lugar do uruguaio, assumiu Celso Roth.
Novo semestre, velhos conhecidos


O novo comandante foi oficialmente anunciado em 12 de junho. Pouco depois, no dia 18, o elenco colorado iniciou sua intertemporada. Entre os atletas presentes na reapresentação, três reforços chamavam a atenção: Oscar, promessa vinda do São Paulo, e os velhos conhecidos Renan, goleiro, e Tinga, meio-campista. Oxigenado, o grupo ainda receberia, no mês de julho, outro ídolo do Clube do Povo. Grande herói da vitória de 2 a 1 sobre o São Paulo, na abertura da decisão da Libertadores de 2006, Rafael Sobis retornava ao Inter ansioso para ser bicampeão da América.

Reforçado por Sobis e Tinga, o Inter contava com praticamente todos os atletas que haviam marcado gols na decisão de quatro anos antes. Faltava "apenas" Fernandão, atacante que também iria a campo nas semifinais continentais. Desta vez, para enfrentar o Colorado, integrando o poderoso elenco do São Paulo. Ao seu lado, despontavam nomes como Dagoberto, Marlos, Hernanes, Richarlyson, Miranda, Cicinho, Rogério Ceni, Alex Silva, Jorge Wagner e Ricardo Oliveira.
O Tricolor paulista gozava de grande prestígio junto à crônica nacional. Após encerrar a fase de grupos com a segunda melhor campanha da Libertadores de 2010, a equipe do Morumbi eliminou, nas oitavas de final, o Universitário-PER, em embate decidido nas penalidades. A vítima seguinte foi o Cruzeiro, que sucumbiu tanto no Mineirão quanto na capital paulista. Um grande duelo, portanto, estava por vir.

Antes de entrar em campo pela Libertadores, porém, o Clube do Povo, que durante a intertemporada conquistara a Taça Fronteira da Paz, encarrilhou quatro vitórias consecutivas no Campeonato Brasileiro. A primeira vítima foi o Guarani, seguido por Ceará, Atlético Mineiro e, enfim, Flamengo. Dos triunfos, dois aconteceram no Beira-Rio, enquanto Galo e Bugre foram superados em seus domínios.


Os resultados positivos consagraram os ajustes realizados pela nova comissão técnica. Outrora rotineira, a variação de esquemas foi abandonada, e o Inter se aproximou da grande tendência do futebol do início dos anos 2010: o esquema 4-2-3-1. Com isso, Taison ganhou nova chance entre os 11 iniciais, agora atuando pela esquerda. Antes de sofrer um edema na coxa direita, Tinga também recebeu minutos na região central, valiosos para estabelecer entrosamento com D'Alessandro. Na zaga, Índio assumiu, em definitivo, o lugar do lesionado Sorondo. Por fim, Renan garantiu, no final de semana anterior à abertura da semifinal continental, a titularidade da meta colorada. O Clube do Povo estava pronto para lutar por uma vaga na final.
As Ruas de Fogo

Nos dias que antecederam a partida de ida com o São Paulo, a torcida colorada se programara para recepcionar de maneira inédita o ônibus do Inter, criando o evento 'Ruas de Fogo'. A partir dele, um túnel vermelho, formado por artefatos pirotécnicos e fogos de artifício, seria organizado da entrada do pátio do Beira-Rio até a porta dos vestiários. Em chamas, nossa casa abraçaria seus heróis, aquecendo cada um dos escalados para o duelo da noite.
Por mais audaciosos que fossem, os planos do povo alvirrubro se provaram humildes quando comparados ao ambiente criado para o desembarque da delegação. Tão logo o ônibus despontou no pátio do Gigante, nada mais pôde ser visto. Incendiária, a Avenida Padre Cacique se converteu em um portal, transportando atletas e torcedores para um verdadeiro oásis, que de miragem não tinha nada. Nos braços de sua gente, o Colorado foi conduzido até os portões do paraíso. Faltava pouco para, juntos, atingirmos a eternidade.


Rubros sinalizadores serviram de moldura para a Nação. O mais afinado dos sopros ecoou a partir da FICO. Incessantes tremuladas movimentaram as bandeiras da Força Feminina. Na 12, o bandeirão foi desfraldado. Atrás do Gol do Placar, delírio total na Popular. Em cada canto ocupado pelas 48.166 pessoas presentes no Beira-Rio: euforia. Sem parar de cantar, o Gigante viveu a entrada do Clube do Povo em campo. Fora das quatro linhas, a vantagem era grande. Restava construí-la, também, no tapete do Gigante. Era noite de Libertadores!


Massacre colorado
Renan; Nei, Bolívar, Índio e Kleber; Sandro, Guiñazú, D'Alessandro, Andrezinho e Taison; Alecsandro. Estes foram os 11 nomes escolhidos por Celso Roth para representar o sonho de milhões de colorados e coloradas espalhados pelo planeta. Do outro lado, Ricardo Gomes escalou o São Paulo com Rogério Ceni; Alex Silva, Miranda e Richarlyson; Jean, Rodrigo Souto, Hernanes, Marlos e Júnior César; Dagoberto e Fernandão.
Desde o começo, o Inter mandou no jogo. Sempre próximos na região central do campo, D'Alessandro e Andrezinho trocavam constantemente de posição e confundiam a defesa paulista, que ainda precisava ter atenção com as subidas de Nei, lateral responsável por oferecer amplitude para o lado direito de ataque do Colorado. Na outra ponta, era Taison quem jogava aberto, deixando Kleber à vontade para apoiar na armação.

Completamente retraído no campo de defesa, o São Paulo variava, a partir dos recuos de Dagoberto (do ataque para a meia-direita) e de Jean e Júnior (da ala para a lateral), entre o 3-5-2 e o 5-4-1. Assim, embora inexistentes no campo ofensivo, os visitantes dificultaram as tramas da linha de frente colorada ao longo do primeiro terço de partida. Madura, porém, a equipe alvirrubra soube se adaptar às circunstâncias do embate. Entre cruzamentos e arremates de longa distância, o Inter teve suas primeiras chances.

Toda a imprevisibilidade que faltara ao Inter no começo de confronto, e que começou a surgir a partir dos 15 minutos, aflorou depois dos 30. O responsável, como não poderia deixar de ser, foi Andrés Nicolás D'Alessandro. Gênio, ídolo, amor ou divindade, trate-o como quiser, o argentino passou a percorrer toda a extensão do campo, abrindo espaços para seus companheiros. Assim, o Clube do Povo seguiu martelando até o último apito, o qual encerrou um primeiro tempo de placar injustamente zerado no Beira-Rio.

O Inter precisaria ser ainda melhor na etapa final, inaugurada com grande chance de Andrezinho. Embalado por estridente 'Vamo, Vamo, Inter', o meio-campista arriscou colocado, da esquerda, e parou em milagre de Ceni. Minutos depois, Kleber recebeu ótima assistência de Taison, invadiu a área e finalizou abafado pelo goleiro, que já se destacava como principal jogador dos visitantes. Inspirado, quem sabe, em Rogério, Alex Silva usou a mão para bloquear cabeceio de Bolívar, mas a arbitragem ignorou a evidente penalidade. O erro pareceu colocar ainda mais pólvora no caldeirão da beira do Guaíba.


Aos 18 minutos da etapa final, Andrezinho deixou o campo sob aplausos. Do banco de reservas veio Giuliano, que injetou novo ânimo na armação colorada. Levando a mítica camisa 11 do Inter às costas, o substituto tinha liberdade para buscar jogo junto aos zagueiros alvirrubros, e tal comportamento gerou dúvidas na marcação empreendida pelo São Paulo, até então pautada nos encaixes individuais. Hesitante, a zaga adversária logo pagou um preço caro por suas interrogações.
Após receber bom passe vertical de Bolívar, Giuliano abriu o jogo com Nei e fingiu disparar para a ponta, atraindo a marcação para o flanco antes de aplicar uma finta de corpo e retornar à intermediária. Livre, o meio-campista foi novamente acionado, costurou para o meio e tentou servir Sandro. Rebatida pela marcação, a bola sobrou para D'Ale. Sagaz, o argentino sequer dominou a espirrada sobra da defesa adversária e, com a canhota, lançou Alecsandro. Dele, a posse retornou para o camisa 11, que lembrou Rafael Sobis para entortar Miranda e definir de perna direita. Cruzado, o chute, primeiro, beijou o poste. Depois, morreu nas redes!

Em dívida no escore, o São Paulo precisou mudar, e o fez em dose dupla. Na vaga de Richarlyson, entrou Cleber Santana, reestruturando a equipe com duas linhas de quatro. Já na frente, Dagoberto deu lugar a Ricardo Oliveira. As alterações na nominata, contudo, não afetaram o roteiro da partida. Aos 27, D'Alessandro, caiu pela ponta-esquerda e usou do La Boba para aplicar uma caneta em Rodrigo Souto. Com espaço, o argentino cruzou forte e fechado. Rogério espalmou, Kleber ficou com o rebote e, embora diante do gol aberto, precisou arrematar com a direita. Tirou tinta do travessão.

Acredite se quiser, a primeira defesa de Renan aconteceu somente aos 33 minutos da etapa final. Travado por Bolívar, o chute de Ricardo Oliveira não tinha o endereço do gol, mas o arqueiro decidiu trabalhar mesmo assim, impedindo que os rivais ganhassem o escanteio. Minutos depois, Taison desconcertou Alex Silva, invadiu a área e arrematou de direita. Com o pé, Ceni salvou mais uma vez.

Aos 38, D'Ale aplicou mais um La Boba e cruzou para Alecsandro cabecear forte, mas por cima. Continuando o jogo de xadrez das casamatas, Taison, exaurido, saiu de campo ovacionado. Também festejado, Sobis entrou no ataque. No São Paulo, Fernandinho substituiu Marlos. Já nos acréscimos, Hernanes desferiu o primeiro chute a gol dos paulistas no jogo, seguramente defendido por Renan. Barato para os visitantes, surpreendente para os críticos e festejado pela torcida, o 1 a 0 garantiu importante vantagem para o jogo de volta. No Morumbi, caberia ao Inter fazer, mais uma vez, história contra 70 mil.









O dia 18 de agosto de 2010 amanheceu ensolarado na capital gaúcha. Para a torcida colorada, porém, o sol era mais do que dispensável. Todos torciam, inclusive, pelo seu pôr. Esperado crepúsculo, significaria, para muitos, o fim do expediente – ou mesmo da classe. Com ele, estariam livres para, enfim, somarem-se aos milhares que desde o início da tarde ocuparam o Beira-Rio. Juntos, travariam a mais bela das batalhas.
Lado a lado, precisariam libertar a América!






O movimento na Padre Cacique, registre-se, começou cedo. Internamente, o gramado do Gigante, renomado tapete continental, estava pronto. Do lado de fora, a torcida chegava aos montes, colorindo em vermelho e branco o cimento formador do pátio do Beira-Rio. Nem mesmo o verde dos campos suplementares resistiu à força da maré alvirrubra, que transformou cada centímetro em concentração e, é claro, churrasco.
Juntos dos mais de 53 mil torcedores e torcedoras anônimos, ilustres nomes do passado alvirrubro também decidiram saudar o presente, que diz tudo.
Ao mesmo tempo em que o povo tomava as arquibancadas e cadeiras do Gigante, ídolos da história colorada se fizeram presentes nos camarotes e suítes do Beira-Rio.
Valdomiro, Rentería e Gamarra foram alguns dos heróis que, fundamentais como sempre, jogaram a final desta vez fora do campo, usando da voz no lugar das chuteiras.
Em vantagem no duelo após conquistar, no dia 11 de agosto, triunfo de 2 a 1 sobre o Chivas, fora de casa, o Clube do Povo tinha em Alecsandro, lesionado, o único desfalque para a finalíssima.
Em seu lugar, Celso Roth escolheu Rafael Sobis, que ficou encarregado do comando do ataque. Atrás do camisa 23, D’Alessandro, pela direita, Tinga, no centro, e Taison, pela esquerda, formavam exímia linha de três meio-campistas.

Despedindo-se do Inter, o volante Sandro, dono da 8, formou, uma vez mais, dupla de volantes com o ídolo Guiñazú, sempre responsável por empunhar o número 5. A defesa, por fim, contou com Nei e Kleber, nas laterais, e Índio e Bolívar, zagueiros. Renan, goleiro, completou a nominata. Do outro lado, José Luiz Leal escalou Michel; Magallón, De Luna, Reynoso e Ponce; Araújo, Baéz, Fabián e Bautista; Arellano e Omar Bravo.

Os minutos iniciais transcorreram de maneira eletrizante, com cada centímetro do gramado sendo disputado com máxima energia pelos jogadores. Não faltaram lances ríspidos, principal aposta dos mexicanos para conter a troca de passes do Inter no campo de ataque. Como de costume sob o comando de Roth, o Colorado contava com grande movimentação de D’Ale e Tinga, responsáveis por constantes combinações entre direita e centro. Na esquerda, Taison abria espaços para a subida de Kleber, e ainda acompanhava o parceiro Sobis.
Buscando gol que tornaria o cenário ainda mais positivo, o Clube do Povo tratou de criar blitz ofensiva tão logo soprou o primeiro apito. Aos três, Kleber cruzou bola que, após desviar na zaga, tomou muita altura e superou a cabeça de Sobis. Inteligente, Tinga infiltrou e, pela direita, a centímetros da pequena área, emendou buscando o camisa 23. No último instante, a defesa conseguiu cortar. Pouco depois, aos nove, D’Ale bateu, da intermediária, falta com venenosa curva. Inicialmente aberta, a bola encontrou, na altura da marca do pênalti, a testa de Sandro, que exigiu defesa em dois tempos do arqueiro rival.
Após breve respiro, o Inter voltou a pressionar na terceira dezena de minutos da partida. Aos 21, Taison, caindo pela direita, foi lançado em profundidade. Salvador, Michel deixou a área para fazer o corte. Pelo mesmo lado, Tinga avançou dois minutos depois. Preciso, o camisa 16 cruzou rasteiro para Sobis, que fez o corta-luz. A bola chegou na medida para o 7, que finalizou colocado para milagre do goleiro.
Novo córner foi cavado pelo Inter aos 25. Da direita, próximo à área, D’Ale cobrou falta perigosíssima, que desviou na barreira antes de fazer vento no travessão. Na sequência do lance, após cobrança do escanteio, Bolívar ficou com a sobra de corte parcial e, como um centroavante, arriscou lindo giro de canhota. A redonda picou ao lado da trave esquerda mexicana, assustando o time visitante e empolgando o Beira-Rio.


Tinga e D’Alessandro pareciam ser, de fato, o melhor caminho para o gol. Aos 37, o argentino avançou pela direita, aplicou o La Boba na marcação e, com espaço, cruzou rasteiro. Por centímetros seu parceiro não completou para as redes, e Magallán, providencial, impediu que a sobra fosse de Sobis. Passados cinco minutos, todavia, tudo mudou.
“Time bom e forte ganha partida, mas um grupo forte ganha campeonatos. O individual vai aparecer quando o coletivo é forte. Já fui premiado com gols, passes, assim como o Giuliano. Hoje, foi a vez do Damião. Isso comprova que o elenco é forte, formado por homens e profissionais.” Andrezinho
Pedindo licença para o poeta Vinícius de Moraes, é possível afirmar que, assim como o samba, a Libertadores, para ser vivida com beleza, precisa de um bocado de tristeza. Afinal de contas, conquistar a mais desejada copa do continente não é piada. São necessárias, para erguer o principal troféu da América, algumas formas de oração. Praticamente todas puderam ser ouvidas no Beira-Rio quando, a exemplo do que ocorrera em Guadalajara, a instantes do intervalo o Chivas abriu o placar. Quem marcou, em bonito voleio, foi Fabián.
Fundamental para o Colorado nas fases de oitavas, quartas e semis, o gol fora de casa não servia como critério de desempate na decisão da Libertadores de 2010. Assim, o tento marcado pelo Chivas demovia do Inter qualquer vantagem, igualava o placar agregado e conduzia à final para a prorrogação. Ao Clube do Povo, portanto, restava pressionar.
“Mostramos dentro de campo que temos qualidade. Não tem como descrever a sensação; estamos onde todo jogador queria estar.” Nei
A torcida sabia disso. Já enérgico nos primeiros 45 minutos, na etapa final o Beira-Rio se transformou em um verdadeiro caldeirão latino. Completamente trepidante, o Estádio, que vencera as seis jornadas continentais já disputadas em seu território, vibrou, decidido a buscar seu sétimo triunfo, em sincronia aos avanços de cada ídolo. Pobres dos mexicanos, que descobriram, da pior maneira possível, o poderio de nossa casa, endereço dos mais temidos de toda a América.
Taison criou, já no minuto de abertura do segundo tempo, a primeira oportunidade da etapa final. Pelo centro, arrancou em velocidade e chutou forte, de bico, para defesa de Michel, que quase soltou a bola nos pés de Sobis. O camisa 23, inclusive, exigiria nova intervenção do arqueiro, também em dois tempos, aos três de jogo.
Surgia, aos poucos, uma rivalidade, aumentada depois, aos oito, quando o camisa 23 recebeu passe em profundidade de Kleber e tentou driblar o goleiro. Desta vez, o rival se saiu bem, e conseguiu tomar a bola dos pés do ídolo colorado. Felizmente, o Inter precisava de apenas um triunfo de Sobis contra Michel.
“Eu sou colorado, estou sendo campeão de algo grandioso, e eu passei muita coisa. Fiquei oito meses, nove meses sem jogar por duas cirurgias, e hoje, graças a Deus, meu joelho está bom. Só vou comemorar agora.” Sobis
A vitória do ídolo, habituado a triunfar em decisões de Libertadores, não custou a chegar. O primeiro atleta colorado a tocar na bola no 16º minuto de partida foi D’Alessandro. Acionado por Bolívar, o camisa 10 colorado prendeu a atenção de dois marcadores, abrindo espaço para infiltração de Guiñazú. Com a bola, El Cholo tentou costurar do centro para a direita, mas, pressionado pelo zagueiro rival, que abandonou a retaguarda, quase teve a posse tomada. Guerreiro, lutou no chão e garantiu a sobra para Taison, que recolocou D’Ale no lance.
Bagunçada, a defesa do Chivas pecou ao oferecer espaço para D’Alessandro. De frente para a área rival, o craque tinha Sobis e Tinga em condições de investir no mano a mano. Preferiu servir o camisa 16, que fez a parede e abriu com Kleber. Pela esquerda, o lateral, anjo da perna canhota, cruzou bola viva. Brigando com a zaga mexicana estavam dois reconhecidos artilheiros continentais. Forte para o autor do gol do título da Libertadores de 2006, a bola chegou na medida para o atacante que calara o Morumbi na decisão de quatro anos atrás.
Rafael Augusto, sobrenome Sobis, apelido campeão, projetou-se na direção da bola e empurrou, com o pé direito, a redonda para as redes. Gol, que o talismã latino comemorou combalido, lesionado do ombro que lhe servira de amortecedor após choque com o goleiro rival. Aos 16 minutos, tudo estava igual no Beira-Rio, mas o Inter na frente do agregado!


O gol embalou o Inter, que por pouco não virou logo aos 24, em chute forte do gênio D’Alessandro. Espalmada por Michel, a bola quase sobrou limpa para Sobis, mas o camisa 23, ainda com dores, não conseguiu dominar o rebote. Na sequência do lance, quem brilhou foi Renan, reconhecido com aplausos da torcida.
“Estava fora da América, e que bom voltar para um clube como o Inter. Este título é para retribuir a confiança” D’Alessandro
Roth respondeu ao susto mexicano realizando sua segunda troca na partida. Antes, já retirara Taison de campo, colocando Giuliano no lugar. Aos 27, Sobis deixou o gramado. Quem entrou no ataque? Leandro Damião, jovem oriundo das categorias de base, que renovou a tradição cancheira ostentada por aqueles que carregam o DNA do Celeiro de Ases.
O passar de minutos que sucedeu o gol de Sobis obrigou o Chivas a tomar postura ofensiva como ainda não ocorrera no duelo. Maduro o Inter, que fechou os espaços para forçar o erro de um rival igualmente pressionado por vaia do Beira-Rio. Historicamente bem-sucedida no ataque, a soma entre time e torcida também se provou decisiva na defesa. Com fôlego, Damião interceptou passe mexicano e, ainda do campo de defesa, disparou dando belíssimo drible da vaca no último homem adversário.


Com campo livre, o garoto esticou a bola em apenas outros dois toques e, já dentro da área rival, absoluto no lance, saiu de frente com o goleiro. Michel decidiu transformar o duelo em embate de futsal, abafando o arremate com as pernas. Leandro provou que também entendia dos fundamentos do futebol de salão, e finalizou com o bico da chuteira. Forte, o arremate até resvalou no arqueiro, mas não teve sua direção desviada. O destino foi a meta mexicana. Gol da virada!
“Essa torcida nos apoiou bastante. Eu tô muito feliz com esse título, meu primeiro título profissional. Há dois anos atrás, eu nunca imaginaria estar aqui.” Leandro Damião
À frente no marcador, tanto da partida quanto no agregado, o Clube do Povo renovou o ânimo não do ataque, e sim da defesa. Na vaga de Tinga, entrou Wilson Mathias. Simultaneamente, o Gigante, doidão, embebedava-se nas alegres lágrimas do povo que mais um título festejava. Reconhecido companheiro de sentimento, Sobis também se provou um parceiro de choro, e do banco de reservas não escondeu a felicidade que sentia. Gaúcho e colorado, colorado e gaúcho, o ídolo logo ficaria ainda mais emocionado.
Com um a mais dentro de campo, consequência da expulsão de Arellano, que com violento carrinho tentou quebrar a perna de D’Alessandro, o Clube do Povo ganhou diversos espaços para explorar. E que erro era ceder lacunas para um time que contava com um camisa 11 como Giuliano. Dono de cinco gols na campanha colorada, até então o atleta já provara, inúmeras vezes, sua vocação imperdoável.
De fato, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande estava ansiosa naquela quarta-feira de agosto. Após passar a data torcendo pela chegada da noite, a partir dos 40 minutos o povo vermelho começou a anunciar o raiar do dia. A hora, enfim, estava chegando. Antes dela, contudo, brilhou Giuliano. Após receber bom passe de Wilson Mathias, o camisa 11 partiu para cima de dois marcadores, na altura da meia-lua. À hesitação da dupla rival, reagiu com ganchinho maravilhoso. Dentro da área, deu novo toque embaixo da bola, este para superar o goleiro. Chorosa, ela entrou. Gol de campeão! Gol de título! Gol de Libertadores!
“É o Inter cada vez mais e mais grande. Momento especial que todos querem participar, a oportunidade única. Fico sem palavras por participar desta festa de novo. Vamos comemorar!” Bolívar
O tento de Giuliano saiu aos 44. A confirmação de dois minutos de acréscimos, aos 45, mesmo instante em que Bravo cavou falta na meia-lua da grande área. Cobrada na trave por Bautista, a bola parada reboteou na medida para Araujo descontar. Não havia, porém, tempo para mais nada – nem mesmo para a comemoração mexicana.
Sem sequer permitir o reinício da partida, o árbitro Óscar Ruiz encerrou o duelo e permitiu que fosse cravada nova placa do Inter na mais cobiçada taça do continente. América, de novo, vermelha.
Clube do Povo, uma vez mais, campeão da Libertadores. Festa, costumeira, do povo colorado!








A CAMPANHA COLORADA
Em 14 jogos na campanha, foram 8 vitórias, três empates e três derrotas.
Fase de grupos
Inter 2x1 Emelec (gols de Nei e Alecsandro)
Deportivo Quito 1x1 Inter (gol de Giuliano)
Inter 2x0 Cerro (gols de Walter e Alecsandro)
Inter 3x0 Deportivo Quito (gols de Andrezinho, Bolívar e Giuliano)
Cerro 0x0 Inter (Uruguai)
Emelec 0x0 Inter (Equador)
Oitavas de final
Banfield 3x1 Inter (gol de Kléber)
Inter 2x0 Banfield (gols de Alecsandro e Walter)
Quartas de final
Inter 1x0 Estudiantes (gol de Sorondo)
Estudiantes 2x1 Inter (gol de Giuliano)
Semifinal
Inter 1x0 São Paulo (gol de Giuliano)
São Paulo 2x1 Inter (gol de Alecsandro)
Final
Chivas 1x2 Inter (gols de Giuliano e Bolívar)
Inter 3x2 Chivas (gols de Rafael Sobis, Leandro Damião e Giuliano)